Juiz diz que fatos já estavam em apuração do Estado e censurou. Ora, para o escritório que defende o jornalista Marcos Melo, Wilson Gondim Sociedade de Advogados, “se a narrativa ventilada na reportagem vem sendo apurada pelas instituições, esta circunstância apenas demonstra sua relevância social e a necessidade de tornar-lhe pública”
A CENSURA DO ESTADO VIZINHO
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu medida liminar para suspender os efeitos da decisão proferida pelo Juizado Especial Cível e Criminal de Timon/MA, assinada pelo juiz Josemilton Silva Barros no âmbito do Processo 0801032-17.2022.8.10.0152, que determinava a retirada de publicações jornalistas do site jornalístico eletrônico Política Dinâmica e das redes sociais do referido meio.
As publicações foram assinadas pelo jornalista Marcos Melo e citavam o advogado Francisco Einstein Sepúlveda de Holanda, autor de ação com pedido de indenização por dano moral em virtude das publicações.
As notas que agora devem voltar ao ar foram tituladas “A fraude que vai fazer anoitecer o dia” e “Advocatus Estrebuchantis”. As publicações narravam supostas falsificações na assinatura do empresário José Luiz de Paiva Igreja II, conhecido como “Segundo”. Falsificações essas que teriam ocorrido após a morte do empresário.
Em uma das notas o jornalista informou que “uma gaveta da Junta Comercial do Piauí (JUCEPI) engoliu o processo que é uma verdadeira bomba-relógio. Esses documentos fazem parte de FRAUDES que envolvem uma herança no Piauí, cartórios no Maranhão, empresas privadas espalhadas pelo Brasil, órgãos públicos, bancos oficiais, CIFRAS MILIONÁRIAS (...).
Para Cármen Lúcia, a decisão do juiz do juizado Especial Cível e Criminal de Timon/MA desrespeitou o entendimento emanado da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130/DF, que declarou não recepcionada pela Constituição da República de 1988 a Lei n. 5.250/1967 - Lei de Imprensa.
MINISTRA ENTENDEU COMO "CENSURA" DECISÃO DO JUÍZO EM TIMON
A ministra sustentou que “na espécie em exame, a autoridade reclamada deferiu medida liminar para determinar a supressão de matérias de conteúdo jornalístico e investigativo postadas em sítio eletrônico e em redes sociais do reclamante, sem realizar um juízo mínimo sobre o conteúdo, plausibilidade ou possível veracidade das informações lançadas nas matérias impugnadas. Sobre o ponto, limitou-se a firmar que “o teor das matérias, de fato, apontam o autor, de forma inequívoca, como praticantes de diversos atos que afrontam a legislação penal, civil e a ética profissional. A foto do autor, a menção direta e por diversas vezes do seu nome, e o teor das matérias podem gerar severos danos a sua imagem, especialmente na esfera profissional. Também se percebe pela matéria que os fatos narrados já se encontram sob apuração de instituições com competência para tanto” (e-doc. 6), a evidenciar aparente censura judicial incompatível com a Constituição da República”.
Sobre trecho da decisão do magistrado que instaurou a censura, especificamente sobre o fato de afirmar que “os fatos narrados já se encontram sob apuração de instituições com competência para tanto”, permitindo inferir que não seriam, portanto, assunto a se aprofundar no âmbito jornalístico, o escritório de advocacia que ingressou com a Reclamação junto ao Supremo, Wilson Gondim Sociedade de Advogados, e que representa o jornalista Marcos Melo, sustentou que “se a narrativa ventilada na reportagem vem sendo apurada pelas instituições, esta circunstância apenas demonstra sua relevância social e a necessidade de tornar-lhe pública”.
O escritório de advocacia Wilson Gondim Sociedade de Advogados sustentou também que “os danos acarretados da referida proibição são irreversíveis, uma vez que uma notícia possui maior valor quando contemporânea aos fatos narrados”.
“JORNALISMO INVESTIGATIVO”, DIZ A MINISTRA
Acresceu a membra do STF, que “pela decisão reclamada, pode-se frustrar o direito à liberdade de imprensa e de expressão, inibindo-se atividade essencial à democracia, como é o jornalismo político e investigativo, e expondo a risco a garantia constitucional da liberdade de informar e ser informado e de não se submeter a imprensa à censura”;
“Como enfatizado em numerosos precedentes jurisprudenciais deste Supremo Tribunal, eventuais abusos no exercício do direito de expressão jornalística somente devem ser solucionados a posteriori por direito de resposta ou indenização, se for o caso”, pontuou.
Cármen Lúcia determinou ainda que fossem requisitadas informações à autoridade responsável por instituir a censura, determinou a citação do beneficiário da decisão questionada para, querendo, contestar a reclamação e, na sequência a esses últimos, vista à Procuradoria-Geral da República para manifestação.
AULA SOBRE IMPORTÂNCIA DO JORNALISMO
Em meio à sua decisão a ministra Cármen Lúcia informou "que Sobre o papel da imprensa livre no Estado Democrático tenho enfatizado que", abre aspas,
“Não se reivindica direito que não se conhece. E o conhecimento dos direitos depende do acesso à informação. A publicidade pela publicação do documento constitucional foi um passo civilizatório, determinante para a efetividade dos direitos humanos. (…) A imprensa fez o Direito democratizar-se. O Direito público e publicado fez a democracia consolidar-se. Sem a imprensa não há informação e sem essa não há democracia. A imprensa livre é a garantia do cidadão livre.
(…) A construção da imprensa fez-se pela atenção do jornalista ao que se passava e não haveria de se manter escondido nas coxias do poder do Estado. (…) A imprensa atenta em duplo significado. Aos que apreciam a penumbra desgosta o claro. A imprensa ilumina. Por isso atenta. Atenta também no sentido de observar e reproduzir, para o que observa. Analisa e escancara o que há de ser dado à mostra. Letra é escrita para ser lida. O jornalista reproduz o que obtém em informações e espalha aos cidadãos o que ocorre nos espaços públicos.
(…) Imprensa livre é direito do cidadão. Sem informação não pode ele formar sua ideia sobre o que corre à sua volta, o que precisa ser conhecido. A democracia faz-se pela participação do cidadão no poder. O poder há de ser conhecido, pois, exercido para representar o cidadão, há de saber ele o que ocorre para se posicionar. Sem ciência do que se faz e se omite não há como se considerar parte nem ser partícipe do processo político estatal. A democracia é caudatária da imprensa livre. A construção da legitimidade democrática depende da informação veiculada, predominantemente, na sociedade moderna, pela imprensa. Com ela constrói-se a sociedade ativa, partícipe do processo formador das políticas legítimas e garantidoras da coerência entre o necessitado e desejado pelo povo e o que é realizado pelo governante.
(…) A imprensa alargou seu papel nas experiências democráticas contemporâneas e passou a reformular-se para ser sentinela da liberdade não apenas do cidadão em face do Estado, mas a ser vigilante da liberdade do indivíduo na relação horizontal com o outro. O jornalista perscruta, analisa, sonda e analisa, afirma, expõe e publica. A imprensa-instituição da sociedade democrática contrapõe-se, assim, à visão única e alienante do governo, impedindo a fabricação de estórias que amorteçam sentimentos cívicos de oposição e até mesmo de apoio crítico a políticas públicas. O que se busca é impedir que seja dificultado ou impedido o conhecimento de fatos de interesse público, suas causas e consequências históricas. A imprensa apresenta o que, não poucas vezes e tragicamente, o governo oculta. Se a sociedade desconhece, a tirania cega. Livre o ser humano para pensar e decidir há que livre ser para conhecer e escolher. Que a ignorância não é poder, é depender. Perde-se em liberdade o que não se ganha em saber. A imprensa ajuda na aquisição de conhecimentos, aí incluídos aqueles que respeitam à ciência das coisas e do poder do Estado. Forma-se a cidadania com o acesso à informação e institucionaliza-se a imprensa como o caminho para a informação. Por isso a sua natureza de poder social institucionalizado na experiência democrática
(…) É com a informação dos dados da vida e da dinâmica política que se garante a sua livre condição de atuar com ciência do que os atos e os fatos da vida plural revelam e a partir deste saber ele escolhe e age. A imprensa livre é dever do jornalismo e direito fundamental do cidadão no processo democrático. Sem essa liberdade de imprensa não se forma a base do saber político que garante a liberdade do cidadão” (Imprensa e liberdade: o direito de informar e ser informado".