O governo Lula (PT) editou uma portaria nesta terça-feira (10) para retomar o pagamento das emendas parlamentares, após quatro meses de crise entre os Poderes e ameaças do Congresso de emperrar o pacote de corte de gastos do Executivo.
As novas regras foram publicadas sob a justificativa de adequar as normas à recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema, mas o texto pode abrir brechas para dribles de congressistas à transparência das emendas.
Parlamentares afirmaram à Folha, sob reserva, haver temor de que as novas regras inviabilizem o pagamento das emendas parlamentares até o fim do ano. A cúpula do Congresso ameaça atrasar a votação do pacote de corte de gastos do governo como retaliação às mudanças nas emendas.
O texto publicado pelo governo Lula permite que as emendas de comissão sejam pagas quando qualquer parlamentar se identifique como solicitante da destinação do dinheiro, inclusive os líderes partidários.
A identificação dos patrocinadores das emendas de comissão, que são aprovadas de forma conjunta, é uma exigência do Supremo para o desbloqueio do dinheiro. Neste ano, o Congresso destinou R$ 15,5 bilhões para esse tipo de verba.
O trecho pode abrir brecha para que parlamentares que não sejam os reais patrocinadores de determinada emenda possam se dizer responsáveis pelo dinheiro —e, assim, garantir a liberação dos recursos antes de 31 de dezembro.
Essa foi uma sugestão discutida entre lideranças do Congresso, nos bastidores, em agosto. Na decisão da última semana, o ministro Flávio Dino, do STF, ressaltou que não será aceito um líder partidário se dizer responsável pela emenda de colegas.
"Afinal, constituiria uma incompatibilidade constitucional e semântica que a ‘emenda de comissão’ fosse transformada em ‘emenda de líder partidário’", diz Dino na decisão.
O ministro afirma, no voto, que a "identificação nominal do(s) parlamentar(es) solicitante(s)" era um requisito para o desbloqueio dos recursos. "Se houver identificação e publicação da origem e do destino das emendas, no tocante ao ano de 2024 e anteriores, a execução é possível, cabendo ao Poder Executivo as providências pertinentes."
Outro trecho que foi incluído na portaria do governo define que as emendas "Pix" para a área de saúde empenhadas até o dia da decisão do STF, em 3 de dezembro, não devem se submeter às novas regras estipuladas pelo Supremo.
Dino definiu que as emendas para a área de saúde só serão liberadas caso atendam às orientações e critérios técnicos definidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e fixados pelas Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite.
"O cumprimento deste requisito deve ser aferido pelo gestor federal previamente à liberação do recurso, e o seu descumprimento caracteriza impedimento de ordem técnica à execução", diz a decisão de Dino.
A portaria é assinada pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais). O texto define uma série de regras para a liberação das emendas sob a justificativa de adequar as normas do governo federal às exigências impostas pelo Supremo.
Com a portaria, as emendas "Pix" podem voltar a ser executadas. Os beneficiários dos recursos devem enviar até 31 de dezembro um plano de trabalho com detalhes sobre como o dinheiro será usado.
O Supremo havia definido um prazo de 60 dias para a apresentação desse documento. O governo decidiu encurtar o prazo até o fim do mês, e deverá apresentar no início de fevereiro de 2025 um parecer sobre os planos de trabalho.
Já as emendas de comissões e os restos a pagar das emendas de relator serão liberadas por cada ministério à medida que os parlamentares solicitantes dos recursos sejam identificados.
O governo ainda definiu, seguindo as exigências do STF, que as ONGs beneficiárias dos recursos precisam dar transparência em seus sites sobre o uso do dinheiro das emendas parlamentares desde 2020 antes de receber novos recursos.
No Senado, há o incômodo não só pelo congelamento do dinheiro, em si, mas também pelo tom das decisões de Dino. Na avaliação de um cardeal do Senado, o ministro do Supremo deixa no ar que há corrupção no uso do dinheiro e coloca todos os congressistas em uma "vala comum".
Senadores também veem com desconfiança a promessa do governo de liberar cerca de R$ 6,4 bilhões em emendas até o fim do ano. Mesmo com as portarias que devem facilitar o repasse do dinheiro, a avaliação predominante é de que não há mais tempo hábil para pagar, de fato, o que já foi indicado.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou nesta terça que o governo fará "o possível e o impossível" para honrar com todos os pagamentos até o fim do ano. Randolfe também disse entender que a decisão de Dino desta segunda causou "problema com a manchete e incompreensão do conteúdo".
"A norma executória para dar força à portaria explicitam e dão a tranquilidade necessária da execução dos termos da decisão de ontem [segunda] do ministro Flávio Dino", disse. "Este é o desafio que temos, garantir a execução [das emendas] até 31 de dezembro. Nós vamos trabalhar para isso."
Uma minuta do texto da portaria circulou entre parlamentares na segunda-feira (9). Lula recebeu no Palácio do Planalto os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para garantir sua intenção de pagar as emendas e pedir esforço na votação do pacote de gastos neste ano.
O documento final publicado nesta terça ficou mais enxuto em relação à versão anterior. Um trecho que detalhava regras sobre a prestação de contas de ONGs beneficiárias foi retirado, mantendo apenas a determinação expressa na decisão de Dino de transparência em site da internet.
Além disso, saíram outros dispositivos que poderiam ficar redundantes com a decisão do magistrado. Havia um artigo, por exemplo, que determinava a suspensão de novas transferências e apuração de responsabilidade civil e criminal, em caso de as regras não serem respeitadas.
Apesar de isso já constar na determinação do STF, a portaria do governo não fala em responsabilização civil e criminal.
Também se falava, inicialmente, que o ciclo completo da fiscalização e aprovação das contas de emendas ficaria sob a alçada do TCU (Tribunal de Contas da União) —o que também já constava na decisão de Dino.
Na noite de segunda-feira (9), o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, rebateu parlamentares e disse que a decisão de Flávio Dino sobre emendas segue integralmente o acordo fechado entre os três Poderes em agosto.
"Em relação à questão do Orçamento, eu mesmo organizei uma reunião no meu gabinete e estou convencido de que a decisão do ministro Flávio Dino está de acordo com o que foi acordado", disse Barroso a jornalistas.
Ele se referia à reunião entre os Poderes ocorrida em 20 de agosto. Para atenuar a crise após o bloqueio das emendas parlamentares, representantes do Congresso, governo e os ministros do Supremo fecharam um acordo sobre "critérios de transparência, rastreabilidade e correção".
"[A corte] interveio para dizer que precisa de rastreabilidade, definição de programa, controle. Mas o montante é questão política. Não é papel do Supremo definir quanto vai ser o montante", completou.