Telefones celulares apreendidos com o empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach tiveram seu conteúdo apagado enquanto estavam sob responsabilidade da Polícia Civil de São Paulo, em 2022. Isso ocorreu com ao menos dois aparelhos, que estavam entre os nove iPhones apreendidos em seu apartamento no Jardim Anália Franco, na zona leste da capital.
Gritzbach —morto há três semanas durante um ataque no aeroporto de Guarulhos— era investigado, à época, por lavagem de dinheiro e suspeita de envolvimento num duplo homicídio de lideranças da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Mais de um ano depois, ele acusou policiais civis de exigir R$ 40 milhões para encerrar um inquérito contra ele. Num acordo de delação premiada, o empresário admitiu ter participado do esquema de lavagem mas negava ser o mandante das mortes.
Questionada sobre o caso, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) disse que a Polícia Civil está "ciente das denúncias apontadas pela reportagem" e que todas as informações que constam na delação de Gritzbach são apuradas pela corregedoria da instituição, que integra a força-tarefa criada para investigar as circunstâncias do ataque no aeroporto. "As investigações seguem sob sigilo, motivo pelo qual os detalhes serão preservados", disse a secretaria.
Dois laudos periciais do Instituto de Criminalística mostram que iPhones apreendidos na casa de Gritzbach foram restaurados às configurações originais de fábrica. O procedimento faz com que o telefone apague arquivos digitais que foram armazenados anteriormente.
Um dos documentos mostra que um iPhone 8 foi restaurado às 17h48 do dia 13 de fevereiro de 2022. O aparelho havia sido apreendido dois dias antes, e estava sob custódia do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) quando foi resetado.
A perícia, através de um programa de computador, chegou a extrair algumas informações do celular. No entanto, nenhuma mensagem de aplicativos de comunicação foi levada ao inquérito a partir dessa análise.
Outro laudo pericial mostra que um segundo telefone de Gritzbach, também um iPhone, sofreu um "reset de fábrica" às 12h12 do dia 22 de março —ou seja, um mês e 11 dias após chegar ao mesmo Deic. Desse aparelho, não foi extraída nenhuma informação.
A investigação levou mais de um ano para identificar que os aparelhos tinham sido resetados, e isso só ocorreu após um pedido de um delegado do próprio Deic para que a perícia determinasse se isso tinha acontecido. Os exames foram feitos em junho de 2023.
No caso do segundo aparelho, dentro do saco plástico que guardava o celular havia também um lacre quebrado, indicando que a sacola usada na apreensão já havia sido aberta e o lacre original, deixado ali dentro. Outra perícia mostrou, ainda, que um terceiro celular foi resetado dias antes da busca e apreensão pela polícia.
Apesar de ter conseguido extrair alguns dados de um celular que já tinha sido reconfigurado, a perícia não conseguiu fazer o mesmo com outro aparelho apreendido. Nesse caso, era um celular considerado fundamental pela defesa de Gritzbach porque, supostamente, traria provas que comprovariam sua versão sobre o assassinato em dezembro de 2021 de Anselmo Santa Fausta e Antônio Corona Neto, apontados como integrantes do PCC.
Sobre esse aparelho, a perícia afirmou que não era possível acessar os dados pois ele estava bloqueado e o perito não dispunha da senha. A análise desse celular não conseguiu determinar se ele havia sido resetado ou não.
Os laudos que mostram a reconfiguração dos celulares somam-se às denúncias —de Gritzbach e também de outro denunciado— de que policiais interferiam nas investigações de forma indevida.
O agente penitenciário David Moreira da Silva, apontado pela investigação como intermediário entre o mandante e o executor do duplo homicídio, afirmou ao juiz do caso que assinou um depoimento que já estava pronto.
A sentença do juiz registra que Silva afirmou, na última vez que foi ouvido, que foi levado ao DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e orientado "a inventar qualquer coisa do Vinicius [Gritzbach], ou então pegaria as irmãs e a esposa dele e mandaria prendê-las. Contou que o depoimento dele já estava pronto. Confirmou que leu o depoimento".
Essa orientação —e a suposta ameaça de prisão de familiares— teria partido de Eduardo Monteiro, chefe dos investigadores do DHPP. Monteiro estava entre os policiais denunciados por Gritzbach em sua delação premiada, entre outros policiais do mesmo departamento do Deic e do 24º DP (Ponte Rasa).
Em seu primeiro depoimento, Silva tinha dito que nunca tinha conversado com Gritzbach. Depois, ele mudou sua versão e afirmou que havia encontrado o empresário numa ocasião em que estava num bar com Noé Alves Schaun —apontado como o autor dos tiros que mataram Santa Fausta e Corona Neto—, e que este teria se oferecido para "qualquer tipo de serviço" e fornecido seu número de telefone. .
O relato não convenceu o juiz Bruno Ronchetti de Castro, que viu evidências suficientes do envolvimento tanto de Silva quanto de Gritzbach no crime e decidiu levá-los a júri popular.
Além disso, outro problema é que os celulares encontrados dentro do carro onde Santa Fausta e Corona Neto foram apresentados por PMs diretamente na delegacia, sem preservar a cena do crime. O caso configura uma quebra da cadeia de custódia das provas, irregularidade que no limite poderia invalidar um processo.
Sobre os celulares resetados, o juiz Ronchetti de Castro considerou que a questão não poderia alterar o resultado do julgamento pois as perícias foram feitas num inquérito separado, e foram levadas à investigação após pedido da própria defesa.
O magistrado afirmou ainda, que as investigações policiais possuem "presunção de validade e legitimidade" dos atos praticados. "Aliás, nem poderia ser de outra forma, sob pena de se
inviabilizar a persecução penal."
Policiais civis, militares e integrantes do PCC são investigados por suspeita de participação no assassinato de Gritzbach no aeroporto de Guarulhos.