O dólar disparou 1,81% nesta quarta-feira (27) e fechou cotado a R$ 5,913, o maior valor nominal da história. O recorde anterior era de R$ 5,905, atingido em 13 de maio de 2020, no estouro da pandemia de Covid-19.
A máxima nominal histórica desconsidera a inflação do cálculo.
O movimento no câmbio foi em reação à notícia de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai fazer um pronunciamento em cadeia nacional para anunciar a elevação da faixa de isenção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) para R$ 5.000.
Na transmissão, prevista para ir ao ar às 20h30, Haddad também deve explicar o pacote de corte de gastos que vem sendo costurado pela Fazenda nas últimas semanas.
A notícia, veiculada às 13h45, fez efeito imediato no dólar. Então cotada a R$ 5,83, com o mercado à espera das medidas fiscais, a moeda norte-americana foi a R$ 5,90 em poucos minutos. Na máxima da sessão, às 15h50, chegou a R$ 5,929.
Ainda que o valor seja recorde na base nominal, a maior cotação real foi atingida em setembro de 2002, na esteira da primeira eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Corrigido pela inflação, o valor do dólar naquela ocasião seria hoje o correspondente a R$ 8,75.
O cálculo, feito pela consultoria Elos Ayta, considera a cotação da Ptax —a taxa de câmbio calculada pelo BC (Banco Central)— e ajustes pela inflação brasileira (IPCA) e norte-americana (CPI) até novembro de 2024.
O aumento da faixa de isenção, confirmado pela Folha, é defendido por integrantes do governo como contraponto político a medidas do pacote que atingirão benefícios sociais.
Interlocutores da equipe econômica apostam na medida como uma maneira de aplacar o impacto negativo do pacote sobre quem recebe o salário mínimo.
A espera pelo pacote fiscal completa um mês nesta semana. Prometidas para depois das eleições municipais, que acabaram em 27 de outubro, as medidas —e a expectativa prolongada— têm pautado os ânimos dos investidores.
A notícia envolvendo o IR, para o mercado financeiro, "demonstra falta de comprometimento do governo com a situação fiscal do país", diz Thiago Avallone, especialista em câmbio da Manchester Investimentos.
"Todo mundo está aguardando o anúncio do pacote para entender aonde vão as contas públicas, de onde sairão os cortes, e o governo continua pensando em medida populista. Ele diz que vai cortar o aumento do salário mínimo, que é o que se espera, e, com a outra mão, vai isentar o IR para quem ganha até R$ 5.000."
A faixa de isenção hoje é de dois salários mínimos (R$ 2.824). No PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2024, não há previsão nem mesmo de reajustar a faixa de isenção com o aumento do salário mínimo já previsto.
A correção da tabela é uma promessa de campanha de Lula, que cobra a medida de Haddad desde o início do governo.
A expectativa é que a ampliação da faixa de isenção traga um impacto negativo de R$ 40 bilhões no Orçamento, diz André Valério, economista sênior do Inter.
"Isso neutraliza as expectativas de redução de gastos que estavam sendo esperadas pelo mercado e alimenta temores de que o governo federal não irá corrigir o desequilíbrio fiscal existente, além de gerar impulso fiscal adicional que não é bem-vindo no contexto atual de uma atividade econômica aquecida."
A notícia reverberou em outros mercados, fora o câmbio. A Bolsa brasileira despencou 1,73%, aos 127.668 pontos, enquanto os títulos do Tesouro Direto tiveram as negociações suspensas por 1h30 em meio à alta volatilidade.
As medidas de contenção de gastos endereçam temores do mercado sobre a sustentabilidade do arcabouço fiscal, o conjunto de regras que visa o equilíbrio das contas públicas do país.
Para os agentes financeiros, é preciso ajustes na ponta das despesas, e não só reforços na arrecadação, para diminuir a dívida pública.
"É difícil entender a lógica usada na administração das contas públicas, que é a do populismo. É incoerente. O governo precisa equilibrar as contas, e a arrecadação já é recorde, então só precisa cortar gastos. Daí ele vai prejudicar a arrecadação, aumentando a isenção do IR, e não traz nada efetivo sobre o corte de gastos", afirma Denis Medina, economista e professor da Faculdade do Comércio.
O pacote foi prometido ainda em meados de outubro pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), e a expectativa dos agentes econômicos têm crescido desde então.
Os sucessivos adiamentos desgastaram a imagem de Haddad ao evidenciarem as dificuldades políticas para estruturar o plano, de acordo com representantes de setores econômicos ouvidos pela Folha. A demora elevou a pressão por medidas que sejam robustas e tenham números críveis, o que deve ser ainda mais cobrado se o aumento da isenção do IR se concretizar.