"Mas entretanto eu errei no golpe/ Você no golpe também tinha errado/ Você julgando que eu desse moleza/ Atrás de moleza também tenho andado", diz a letra do samba-choro "Dois Bicudos". Os autores, Cartola e Aluísio Dias, contam a história de dois golpistas, que antes trocavam carícias e agora não se beijam. A situação lembra a de Jair Bolsonaro e Pablo Marçal nas eleições de São Paulo.
Os golpistas-bicudos têm espantosas semelhanças, a começar pela compulsão de mentir. Estão ligados ao crime; falam em nome de um Deus só deles; manipulam as redes; vendem-se como antissistema; ignoram qualquer projeto de governo e atacam o Estado; defendem a trapaça como um ideal de vida. Correm na mesma faixa da direita para seduzir o eleitor e representam a enganação política —que sempre existiu— levada ao paroxismo.
Um já esteve na Presidência, e as consequências todos sabemos. O outro quer chegar lá. O coach leva uma vantagem em relação ao capitão: seu trabalho como golpista foi mais eficaz. Durante anos ele participou de uma quadrilha especializada em invadir contas bancárias pela internet. Quem foi fisgado —e quem não foi no país que trocou o jeitinho pelo golpinho?— não esquece.
Marçal foi condenado, o crime prescreveu. Bolsonaro está livre. O ex-presidente tem um medo pânico de perder o controle das forças conservadoras, impossibilitando os planos de reverter a inelegibilidade (por enquanto, tais planos continuam a ser articulados no Congresso).
Mesmo assim, o choque entre Bolsonaro e Marçal tem alguma coisa do antigo telecatch —mordidas, cabeçadas, dedos nos olhos, tijoladas na cabeça e tesouras voadoras de mentirinha. Enquanto eles brigam, ou encenam a briga, estão capturando as atenções. Guilherme Boulos, o candidato da esquerda, e Tabata Amaral, do centro, vão ficando em segundo plano. A pilantragem nunca deu tantos votos como hoje.